Fé Morta


John MacArthur
Grace Church (Igreja da Graça)
23 de Novembro de 1986


Abramos nossas bíblias em Tiago capítulo 2, vamos ver os versos 14 a 20.

"Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?"

O psicólogo Dr. Alfred Adler defende uma teoria interessante sobre a psicologia de um indivíduo. Ele diz: ao lidar com as pessoas “confie apenas nos movimentos. A vida ocorre no nível da ação.” Adler continua: “Não somos o que falamos, mas somos o que fazemos. O que fazemos é a verdadeira chave das nossas intenções. Confie apenas nos movimentos”.

Ele descobriu o que a palavra de Deus ensina. Ele descobriu o que Tiago está dizendo aqui. Ele observou no comportamento humano, do ponto de vista da psicologia, que a única verdadeira revelação de uma pessoa é através do comportamento dessa pessoa. Meio que parafraseando Tiago: fé mais nada é igual a nada.

Tiago descreve o tipo de fé que é igual a nada. Ele a chama de fé morta nos versos 17, 20 e novamente no final do capítulo, no verso 26.

Inevitavelmente, as pessoas com fé morta sempre substituem palavras por ações. Elas querem que você creia que elas são o que dizem e você precisa entender que nós somos o que fazemos. Não confie em palavras, confie apenas nos movimentos. A fé verdadeira sempre será visível em obras. A fé morta nem será visível. A questão que você precisa entender quando lê essa passagem é que existe um tipo de fé que não salva. Existe um tipo de fé em Deus que não salva. Existe um tipo de fé em Jesus Cristo que não salva.

Em Mateus capítulo 3, o ministério de João Batista nos chama atenção. Muitas pessoas estavam sendo batizadas por João Batista no rio Jordão, confessando seus pecados. Verso 7: “E, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus, que vinham ao seu batismo, dizia-lhes: Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; E não presumais, de vós mesmos, dizendo: Temos por pai a Abraão.” Em outras palavras, não contem com a sua herança, mas demonstrem pelas suas obras a legitimidade da sua fé.

No capítulo 5 de Mateus, verso 16, Jesus disse: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.” Em outras palavras, a luz que brilha da vida do crente é a luz das boas obras, é a demonstração dos atos.

No capítulo 7 de Mateus, ainda no sermão do monte, verso 21: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.” Não são os que dizem, são os que fazem. Não confie no que as pessoas dizem, confie no que elas fazem. Isso se estende enfaticamente pelo ministério de Jesus.

Isso é particularmente enfatizado novamente no evangelho de João. Por exemplo, vejam comigo o capítulo 2, verso 23: “E, estando ele em Jerusalém pela páscoa, durante a festa, muitos, vendo os sinais que fazia, creram no seu nome. Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia. E não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem.” Todos precisam de um homem para mostrar o que crêem ou dizer o que crêem, menos Jesus. Ele sabe o que os homens crêem. Ele disse que eles criam, mas suas crenças eram menos que suficiente.

De fato, o capítulo 3 segue a mesma ideia: “Havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus.” Esse era um dos que criam. “Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi” – reparem o pronome – “bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele”.

Acabamos de ver no verso 23 que as pessoas que viram os milagres creram em Seu nome. Eles creram que Ele tinha sido enviado de Deus. Eles podem muito bem terem acreditado que Ele era o Messias. Nicodemos diz: “Nós cremos”. Isso representa um grupo inteiro. “Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”.

Qual é o ponto? O ponto é que ele creu. Ele pode muito bem ter crido na messianidade de Jesus Cristo. Ele creu nos milagres. Ele creu no nome. Ele creu que Jesus tinha sido enviado por Deus. Mas Jesus respondeu a ele e a todos que eram como ele: “Crer não é o suficiente a não ser que você seja transformado.” Então existe algo chamado fé não-salvadora.

Em João 8 vemos novamente uma ilustração desse mesmo tipo de fé, no verso 30 e 31, quando Jesus falou novamente as palavras referentes a Ele mesmo e Seu Pai. No verso 30 Ele diz: “Dizendo ele estas coisas, muitos creram nele. Jesus dizia, pois, aos judeus que criam nele: Se vós permanecerdes na minha palavra,” – isso é, em obediência – “verdadeiramente sereis meus discípulos; E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” – libertará da servidão do pecado, da morte, do inferno e julgamento.

Em outras palavras, eles disseram que creram e Jesus disse: “Suas crenças não são suficientes a não ser que envolvam um novo nascimento, uma transformação, que conduzem a uma vida de obediência.” Uma fé salvadora, válida, sempre foi confirmada pelo fruto. Uma fé falsa, morta, é indicada pela ausência de atos de justiça. É claro que muitas pessoas possuem esse tipo de fé. Elas crêem em Deus, crêem em Jesus Cristo, mas não ao ponto da salvação. Elas podem crer nos fatos sobre Deus, nos fatos sobre Cristo, mas elas não manifestam um compromisso irrevogável com Jesus Cristo. Elas não manifestam uma vida mudada, que é o resultado da verdadeira salvação marcada pelo arrependimento e obediência.

O Senhor era tão preocupado com isso que Ele mencionou isso na parábola dos solos. Sem dúvida Ele falou sobre isso em parte fazendo alusão ao trigo e joio. Ele falou sobre isso em João 15 com os ramos que permaneciam e os que não permaneciam. Ele falou sobre isso em Mateus 7 com os mestres e proprietários. Esse é um assunto comum no ministério do nosso Senhor: crença intelectual não é suficiente. Hebreus 12:14 diz: “Segui a paz com todos, e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” Nenhum homem jamais entra na presença do Senhor sem santificação. Assim, concluímos que a justificação deve ser acompanhada de mais do que uma mera declaração forense sobre sua posição. Deve ser acompanhada de uma real santificação para que a fé salvadora seja manifestada em obras.

Em Efésios 2:10, o apóstolo Paulo coloca da seguinte maneira: “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” Queridos irmãos, deixe-me dizer algo que me pesa muito no coração. A igreja de Jesus Cristo precisa lidar com a impressão destruidora de alma de que um simples conhecimento do evangelho é igual à aceitação da fé salvadora. Precisamos lidar com a decepção e desilusão de que conhecer a verdade é igual à redenção. É quase como se as pessoas pensassem que o que não se nega, se crê, e que isso é o suficiente.

Tiago não permitirá que tal decepção se mantenha sem ser desafiada. As pessoas que creem nos fatos do evangelho, mas não assumem um comprometimento irrevogável de rejeitar o pecado e servir o Senhor Jesus Cristo – comprometimento este que é empoderado na própria obra de salvação – precisam ser confrontadas com a realidade de seu estado. De fato, toda a epístola escrita por Tiago é uma série de testes pelos quais você pode avaliar se sua fé é viva ou se é uma fé morta.

O primeiro teste foi o das provações. Lembram-se do capítulo 1, versos 2 até 13? É o teste das provações. Sua resposta às provações é um indicador de uma fé morta ou uma fé viva. O segundo foi o teste da tentação. Onde você coloca a culpa da tentação é um indicador de uma fé viva ou uma fé morta. O terceiro é a resposta à palavra, que está no fim do capítulo 1. E então temos visto o capítulo 2, que é o teste das nossas respostas aos pobres e necessitados.

Agora, nesse maravilhoso capítulo 2, nos versos de 14 a 20, ele traz o teste das obras. Quando fala de obras, ele quer dizer atos de justiça, comportamentos de justiça, comportamentos de obediência à palavra de Deus e que manifestam uma natureza divina. Então, amados, a forma como vivemos, prova quem somos. Isso, creio eu, é o teste composto nessa epístola. Ele meio que une todos os outros testes, pois todos os outros testes são atos de justiça, quando são devidamente atendidos.

Tiago já havia mencionado essa questão. Volte ao capítulo 1, verso 22. Ele já introduziu isso quando disse: “E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural;” – o rosto natural é o rosto do nascimento, o rosto da nossa gênese – “Porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era.” Em outras palavras, ele olha, vê o seu problema, não faz nada a respeito, se vai e esquece. “Aquele, porém, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade,” – significa a palavra de Deus – “e nisso persevera, não sendo ouvinte esquecediço, mas fazedor da obra, este tal será bem-aventurado no seu feito.” Em outras palavras, Deus diz que você precisa praticar, ser alguém que continua olhando a palavra de Deus e a colocando em prática em sua vida.

Novamente, Tiago traz essa mesma questão aqui no capítulo 2. Agora, posso dizer que ninguém é salvo pelas obras? Efésios 2:8 e 9 diz: “não de obras, para que ninguém se glorie.” Não somos salvos pelas obras. Se fossemos salvos pelas obras, adulteraríamos a graça, e graça não seria mais graça. Ouçam com atenção: ninguém é salvo por obras, porém, ninguém é salvo sem produzir obras. Essa é a questão. Sendo a obra de arrependimento e a submissão a Cristo as primeiras obras.

Em Mateus 13:44 a 46, nosso Senhor fala duas parábolas sobre um homem que encontrou um tesouro no campo e depois, um homem que encontrou uma pérola de grande valor. Em ambos os casos, eles venderam tudo para comprar a pérola. Existe um sentimento de que a salvação vem àqueles que dão tudo o que são e possuem a Cristo para tomarem para si tudo o que Ele é e possui. O que se auto-engana é aquele cuja fé nada mais é do que um conhecimento na carne, um relance dos fatos sobre Deus e Cristo. Não há um comprometimento irrevogável à vida de obediência – amar o Senhor teu Deus de todo coração, alma, mente e força, obedecendo Sua vontade.

Tiago está lidando com a fé morta, a fé não-salvadora. Essa é a questão. Como já mencionei alguns meses atrás, penso que tenho uma grande devoção a isso pelo que já experienciei em minha vida com muitos de meus amigos próximos. Há alguns meses eu lhes dei uma longa lista de pessoas que conheci em minha vida, que se afastaram de tudo o que eu pensei que acreditassem e me deram evidência de quão mortas eram suas fés. Eles deixaram tanta impressão em mim, que são inesquecíveis. Eu vejo seus rostos, minha mente ecoa seus nomes repetidas vezes. Eles tinham fé morta. Quando chegou o teste dos atos de justiça, não importa o quanto eles falavam, suas fés provaram estarem mortas.

Então eu penso: “Quantas outras pessoas são como eles, que nessa vida jamais manifestarão a fé morta? De fato, eles podem nunca saber que sua fé era morta, até o dia em que acordarão no inferno, pois foram tão enganados”.

Deixe-me tentar ajudá-los em relação ao pano de fundo desse texto, para entender a quem Tiago está escrevendo. A epístola foi escrita para judeus. No capítulo 1, verso 1 diz: “às doze tribos que andam dispersas”. Ele está escrevendo a judeus. Eles se identificaram com a fé cristã. Alguns deles, obviamente, eram genuínos e alguns deles não eram genuínos, por isso todos esses testes foram escritos nessa epístola. Mas eles se identificaram externamente com a fé cristã. No verso 21 do capítulo 2, ele diz: “Porventura o nosso pai Abraão”. Assim, novamente ele admite que sua audiência é judaica.

Deixe-me dar-lhes uma pequena ideia do que eles estavam pensando. Alguns daqueles judeus foram de um extremo a outro na questão das obras. Eles experimentaram, durante todos os anos do judaísmo, uma quantidade enorme de stress porque o judaísmo, nessa época, naquele período específico, havia se tornado um sistema de justificação totalmente por obras. Eles eram educados a crer na eficácia das obras. Então veio a salvação no evangelho da graça, o evangelho que para eles era regozijante.

Imagine viver toda sua vida debaixo de um sistema de obras, sabendo que você não conseguiria alcançar a exigência do sistema. Imagine ser exigido guardar leis que você sabia que não conseguiria guardar. Imagine ser absolutamente sobrecarregado por uma miríade de regras que nenhum homem jamais conseguiria cumprir, crendo que sua salvação dependesse da sua habilidade em fazer o que você não conseguia fazer. Era um encargo tremendo. Em Mateus 23, Jesus disse que os líderes, que abraçaram aquele sistema, amarravam nas pessoas cargas pesadas demais para carregar.

Portanto, aqui vemos esses judeus comumente oprimidos por uma carga produtora de culpas. Então chega alguém pregando o evangelho de Jesus Cristo, que é todo sobre graça, libertação, liberdade, regozijo. Eles ouvem esse evangelho e dizem: “Isso é para mim. Uau!” Liberdade do legalismo soava muito boa para ser verdade. Será que alguns deles se equivocaram sobre aquela liberdade e foram longe demais para o outro lado, do legalismo para uma liberdade infundada e abusiva? Eles tinham uma noção errada de que já que obras não eram eficazes para a salvação, talvez não fossem eficazes para nada e talvez nem fossem necessárias.

Será que Tiago havia identificado, na congregação para qual ele escreveu, algumas pessoas que estavam tentando aceitar a salvação que era somente crer nos fatos sem exigir nada? Isso não parece muito difícil de acreditar. É algo aceito em todas as gerações desde então.

Uma ilustração do tipo de legalismo ao qual esses judeus estavam sujeitos vieram de alguns antigos escritos rabínicos. Por exemplo, um que encontrei na Exposição do Testamento Grego diz: “Quando Mar Ukba estava para morrer, ele solicitou seu acerto. O valor era de 7000 Zuzim (que é a soma de todas as esmolas que havia dado).” Em outras palavras, essa era a sua conta no céu, tudo o que ele havia dado, Deus tinha mantido um registro e ele tinha 7000 reservado.

“Então ele clamou: ‘o caminho é longo” – isto é, até a presença de Deus – “e a provisão é pouca’ (ele pensava que essa quantia não seria suficiente para garantir sua justificação aos olhos de Deus e assim ganhar sua salvação); por isso ele deu metade da sua fortuna a fim de se tornar bem seguro”.

Geralmente os judeus eram merecedores de suas entradas com suas obras. Temos textos que indicam que antigos pagãos acusavam os judeus de se juntarem ao cristianismo porque era uma religião mais barata que o judaísmo. A nova mensagem do cristianismo – graça, liberdade, libertação, fé, misericórdia e perdão – pareciam um completo alívio. Apenas creia. Que belo caminho.

E assim, eles foram do legalismo ao anti-legalismo. Pode muito bem ser o caso de haver pessoas assim nessa associação para a qual Tiago escreve. Óbvio, não importando a causa e o contexto, haviam aqueles que se sentiam seguros sendo apenas ouvintes da palavra e esses estavam auto-enganados. Eles diziam: “Ah, sim, isso é verdade. Sim, isso é verdade.” Mas nunca era expressado externamente em suas vidas. Ouso perguntar: você conhece pessoas assim, não é? Você conhece pessoas que, se chegar a elas e perguntar: “Você crê em Deus?” Elas dirão: “Sim”. “Você crê que Jesus Cristo viveu e morreu e ressuscitou da morte?” “Sim”.

E você sabe, assim como eu, que essas pessoas não são cristãs. Isso não é raro. Eles possuem uma fé morta. Lembro-me de uma música que costumávamos cantar quando crianças na igreja: “Somente creia, somente creia.” Frequentemente eu pensava nessa música. Espere um pouco, é só isso mesmo? Nicodemos creu, antes de se achegar a Cristo e lhe foi dito que era necessário nascer de novo. Não é suficiente apenas crer, a não ser que essa fé é aquela que salva e transforma.

Qual é a característica da fé morta? É isso que Tiago quer destacar para nós. Vamos ver o nosso texto. Tiago nos dá três marcas da fé morta. Três descrições da natureza da fé morta.

Primeiro, a fé morta é identificada por uma confissão vazia – verso 14: “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?” Creio que aqui ele estava se referindo aos irmãos judeus e obviamente, coletivamente à igreja que se identifica externamente como irmãos.

Veja bem, apenas para ilustrar, se um homem chega e proclama: “Eu tenho fé, eu creio. Eu creio em Deus, creio em Cristo.” Ele confessa crer na morte de Cristo. Ele pode confessar crer na ressurreição de Cristo. Aliás, o texto é no tempo presente. “Meus irmãos, qual é o proveito se alguém continuamente segue proclamando que tem fé?” A palavra, em grego, significa ‘qualquer pessoa’. “Que proveito tem tal afirmação de qualquer pessoa, se ela não tem erga, ‘obras’, se a pessoa não tem produto, se não tem boas obras, atos de justiça como padrão de sua vida? Que proveito tem tal fé?”

A resposta é que isso não adianta nada. Essa é a resposta óbvia. Nada mais é do que uma confissão vazia, uma proclamação sem evidência. Se não há obras e atos de justiça, você não pode demonstrar uma vida transformada. Quando a fé verdadeira é posta em Cristo, recebemos uma nova natureza, a qual se manifestará. Quando vamos novamente à parábola dos solos, vemos que o bom solo sempre produz o que? Frutos. Frutos do Espírito e frutos de justiça.

Se fossemos olhar apenas para Tiago, podemos ver algumas dessas obras. No capítulo 1, verso 12, podemos ver perseverança. Perseverança trunfante e paciente através das provações. Essa é uma boa obra demonstrando fé verdadeira. Esse é um dos testes.

Se olharmos os versos de 18 a 20, podemos entender que outra boa obra é um ouvir adequado da palavra de Deus, um ouvir ávido pela palavra de Deus. Se olharmos para o verso 21, veremos que a pureza de vida, abandonando impurezas, obscenidades, é outra marca de obra de justiça. Se olharmos do verso 22 em diante, veremos a obediência às escrituras. Chegando no verso 27, novamente vemos amor e compaixão aos necessitados como outra obra de justiça, assim como se manter sem as manchas do mundo.

Podemos até mesmo olhar no capítulo 3 e ver coisas como o controle da língua como uma apropriada resposta à divina sabedoria. Podemos olhar no capítulo 4 e ver humildade. O próprio Tiago identifica várias dessas boas obras. É por isso que digo que essa porção em particular é um compêndio, um sumário e soma de todos os testes que ele dá.

Qual o benefício de fazer uma confissão vazia sobre a fé salvadora se você não tem nenhuma dessas obras em suas vidas? Se sua vida não manifesta perseverança, se não manifesta uma resposta adequada à palavra de Deus, se não demonstra o abandono da obscenidade e iniquidade, se não tem um coração de obediência à palavra de Deus, se não tem compaixão com os necessitados, se não se mantém imaculado do mundo, onde está a evidência?

Em João 15, como mencionei mais cedo, Jesus disse: “Pegue o ramo que não dá fruto, corte, ajunte e lance ao fogo.” Esse ramo infrutífero, creio eu, representa um discípulo de Judas, representa alguém que está atado externamente mas por onde a vida não flui e consequentemente não há produto.

Então, Tiago acrescenta, no fim do verso 14: “Pode essa fé salvá-lo?” Pode essa fé absolver um homem no dia do julgamento? Pode uma fé não acompanhada por uma mudança dramática no caráter e conduta moral ser a verdadeira fé salvadora? Qual é a resposta? Não. Pode tal confissão vazia salvar de um Deus – veja o verso 13 – cujo “juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia”? Você vai me dizer que um homem pode crer e não mostrar misericórdia e ainda ser salvo?

Alguns dirão que você pode crer, não ter frutos e ainda ser salvo. E Jesus diz: “Se eu olhar para a sua vida e não ver nela frutos de misericórdia, não haverá misericórdia para você.” Por que? Porque o próprio Jesus pode aferir a validade da fé baseado no fruto dessa fé. Se salvação é um novo nascimento, transformação, mudança total, então deve ser demonstrada na consistência do comportamento condizente com a nova natureza. Se sou uma nova pessoa, haverão novos fatores na minha conduta.

Em Romanos 2 temos o critério pelo qual Deus irá julgar. O verso 6 diz: “O qual recompensará cada um segundo as suas obras.” O julgamento final será de acordo com as obras.

Você pode dizer: “Eu pensei que o julgamento final seria sobre a fé.” O julgamento final será em cima da sua fé conforme indicada em suas obras. O verso continua definindo: “A vida eterna aos que, com perseverança em fazer bem, procuram glória, honra e incorrupção.” Em outras palavras, não é que você é salvo por essas obras, a questão é que essas obras manifestam que você tem uma nova natureza. “Mas a indignação e a ira aos que são contenciosos, desobedientes à verdade e obedientes à iniquidade.” Em contraposição, os verdadeiros crentes não serão contenciosos, obedecerão a verdade, obedecerão a justiça. “Tribulação e angústia sobre toda a alma do homem que faz o mal … Glória, porém, e honra e paz a qualquer que pratica o bem”.

Ou seja, seremos julgados de acordo com o que fizemos, pois o que fizemos e o que fazemos é o indicador de quem somos. “Pode essa fé te salvar?”

Alguém vai perguntar: “Espere um pouco, Tiago não está em conflito com Paulo?” Esse é o argumento mais comum. Se aceitamos o que Tiago diz, que precisamos de obras, não estamos negando o que Paulo diz, quando ele afirma somente a fé, somente a graça? E se você acrescentar qualquer obra à graça, você não arruinou a graça? Paulo não diz que somos salvos simplesmente, unicamente, totalmente pela graça?

Em Romanos 11:6 lemos: “Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra.” Não está ele removendo da graça toda obra?

Será que ele não está dizendo a mesma coisa em Gálatas 2:16? “Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada”.

Não está Paulo dizendo não às obras e Tiago dizendo sim às obras? Não estão os dois em conflito? Deixe-me propor a vocês que Tiago e Paulo não estão face a face em confronto, mas eles estão de costas um para o outro lutando contra dois inimigos. Paulo está lutando contra aqueles que querem que a salvação seja através de obras. Tiago está lutando contra aqueles que querem uma salvação que não exige nada. Paulo está dizendo que a salvação é somente pela graça. Tiago está dizendo que a salvação somente pela graça produz obras. Não há debate, não há argumento, não há tensão aqui.

Não é um desacordo face a face. É um de costas para o outro em defesa frente ao ataque de dois inimigos diferentes. Paulo está se defendendo contra a salvação legalista e Tiago está se defendendo contra a abordagem libertina que diz que você pode crer e não ter nenhuma mudança em sua vida e mesmo assim, ser salvo.

Volte ao capítulo 1, verso 18. O que Tiago diz: “Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade”. Ou seja, ele apresenta a soberana salvação pela graça. Deus nos salvou pela Sua própria vontade através da palavra da verdade. Tiago afirma a salvação pela soberana graça, mas então diz: “para que fôssemos como primícias das suas criaturas.” Isso é, para fazer de nós novas criaturas, nos fazer diferentes.

Paulo diz a mesma coisa: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras.” Ambos dizem a mesma coisa. Ambos concordam que há uma fé que não salva.

Abra em 2 Timóteo 2:19. Ouçam com cuidado o que Paulo escreve aqui e você verá como ele concorda com Tiago. Paulo está escrevendo para Timóteo, falando acerca daqueles que erram em relação a verdade – isso é mencionado nos versos 16 a 19. “Evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses roerá como gangrena”. “Todavia, o fundamento de Deus fica firme” – existem muitas pessoas tentando destruir, remover o fundamento, muitas pessoas tentando oferecer outro fundamento. Mas o fundamento de Deus é imutável “tendo este selo”. Ou seja, esse é o selo da verdade: “O Senhor conhece os que são seus”. Como Ele os conhece? “qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade.” A marca da verdadeira salvação é o apartar-se da iniquidade.

Se você reparar, em Tito, Paulo novamente faz referência à mesma coisa. No capítulo 1, verso 16 ele está falando sobre as pessoas que afirmam ser crentes. Ele diz: “Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra.” Essa palavra “reprovados” contém a ideia de confusos, desorientados, uma mente maligna.

Então, eles professam conhecer Deus, mas a negação vem através das suas obras. Não importa o que você diz, só importa o que você demonstra. No capítulo 2, verso 7, novamente ele diz: “Torna-te, pessoalmente, padrão de boas obras”.

Tiago trata de uma confissão vazia – uma confissão vazia, sem evidência. É como uma aceitação intelectual externa dos fatos do evangelho, em vez de um sincero, caloroso, irrevogável comprometimento de se dar totalmente a Cristo e trocar a própria vida pela Sua vida, a própria soberania pela Sua soberania.

Paulo está, em seu ministério, enfatizando o início da vida cristã. Ele insiste que ninguém pode merecer o perdão, ninguém pode merecer um relacionamento com Deus. Isso vem apenas da soberana graça de Deus. Não existe uma obra humana pré-salvação. Você não tem que se arrepender em sua própria carne. Você não tem que se ajustar, se preparar para a salvação concordando em fazer isso ou aquilo em sua carne. Mas onde a verdadeira salvação acontece, onde a soberana graça alcança profundamente e transforma totalmente uma pessoa, haverá um abandono do pecado, um abandono de si mesmo para a soberania de Cristo como parte de tal salvação.

Penso sobre Éfeso, cidade para a qual 1 Timóteo foi escrita. Quando o evangelho chegou até Éfeso em Atos 19, o texto diz que imediatamente as pessoas que estavam totalmente envolvidas com magias e ocultismo, pegaram todos os seus livros – tendo ouvido o evangelho e crido – e o que fizeram com os livros? Queimaram.

Paulo lembra os tessalonicenses de que eles deixaram seus ídolos para servirem ao Deus vivo e verdadeiro. Essa foi uma mudança de mestres. Enquanto que a salvação é algo totalmente de Deus, é também nas obras salvadoras que acontece o arrependimento, o abandono do pecado a aceitação de um novo mestre. Não acho, nem por um momento, que um crente recém-nascido entende a total implicação disso. Não acho que eu, quando fui salvo, entendi a total implicação do meu pecado e o abandonar meu pecado. Não acho que eu entendi a total implicação do que significava se submeter a Jesus Cristo. Essa é uma percepção sempre crescente até mesmo agora em minha vida. Ninguém é salvo por obras, mas ninguém é salvo sem ter se tornado uma nova criação. Na nova criação vem o produto: arrependimento, submissão, obediência, amor para com Deus e todas as outras obras que o Espírito de Deus produz.

Vamos voltar para Tiago. No verso 14 ele descreve a fé morta como uma confissão vazia que não tem nenhum benefício. Isso me leva a lembrá-los de 2 Coríntios 13:15: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé.” Como você se examina? Não é olhando para um momento no passado, de onde você iniciou. Você se examina olhando sua vida e vendo o produto. O que você vê? Porque o que você vê revela o que você é. Confissão vazia nada mais é do que fé morta e fé morta é falsa. Em segundo lugar, Tiago diz que fé morta não apenas é marcada por uma confissão vazia – o que são palavras sem atos – mas é marcada pela falsa compaixão. Aqui ele vai especificamente em direção aos atos.

Veja o verso 15, muito prático: “Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa…” – vamos parar um pouco para ver esse cenário. Aqui temos uma pessoa que está sem roupa e é uma situação contínua, vinda do passado e que continua no presente. Não está dizendo que está totalmente sem roupa, mas carente de roupas, representa uma pessoa que está destituída das necessidades da vida, não possui roupas suficientes, provavelmente indicando que a pessoa não possui roupas o suficiente para se manter aquecida, está passando frio.

“… e necessitados do alimento”. Temos então uma pessoa que está com frio e com fome. É uma situação muito comum, muito severa. Sem comida diária e sem roupa para se manter aquecida. Ao falar “irmão ou irmã” indica que ele está escrevendo para um grupo de pessoas que ao menos exteriormente não apenas se identificam com ele, sendo Judeu, mas muito provavelmente se identificam com a assembleia dos redimidos. É uma ilustração muito parecida com 1 João 3:17 e 18, onde João fala da mesma situação. A forma como você responde a uma pessoa em necessidade é o indicador do que está em seu coração. As epístolas de Tiago e 1 João são paralelas bem próximas. Ambas trazem testes da fé verdadeira.

Aqui temos um homem ou uma mulher com frio e fome, e você encontra com tal pessoa em sua assembleia que vem visitá-los. Você olha para as suas condições e um de vocês diz: “Vá em paz.” Essa é uma expressão comum entre os judeus. Você a encontra em Marcos 5:34. É bem piedosa. “Deus esteja com você; Deus te abençoe; Desejo tudo de bom.” São palavras vazias. Você está na verdade rejeitando a fome, está rejeitando o fato de que tal pessoa está com frio.

Então você fala: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”. Você é bem generoso, não é? Esses verbos “aquecei” e “fartai”, indicam quase uma fala sarcástica: “Não olhem para o meu bolso, aquecei-vos e fartai-vos.” O verbo, em grego, pode indicar sarcasmo, indiferença. É muito cruel. O que quer dizer é: “Aquecei-vos e fartai-vos, não me perturbem com seus problemas”.

Se esses verbos, em grego, forem interpretados na voz passiva, então é um pouco menos rude. Seria algo como: “Espero que encontrem alguém para lhes darem roupas e comida; estarei orando por vocês.” Tanto faz a forma como está dizendo, no fim ele escreve: “sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?” Em outras palavras: “Qual o proveito desse tipo de fé? Está querendo me dizer que você é nova criatura? Está querendo me dizer que você tem a vida de Deus em sua alma, a vida de um Deus compassivo, um Deus amoroso e você não tem consideração por alguém em necessidade?” O verso 17 diz: “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.” Uma fé sem frutos, sem produto é uma fé morta, marcada por uma confissão vazia e falsa compaixão.

Lembro-me de ouvir uma história sobre uma rainha que tinha ido ao teatro e, de acordo com o seu biógrafo, ela tinha ido ver um drama e ela chorou durante toda a apresentação, do começo ao fim, era muito triste. Ela realmente entrou no espírito daquele drama e ela chorou todo tempo. Aquele era o tempo das carruagens do passado e ela saiu e foi até sua carruagem. Aquela era uma noite muito fria e ela havia deixado o cocheiro ali, onde era o seu lugar. Ele não pertencia a classe dela. Ela o encontrou morto, congelado. De acordo com a sua biografia, ela não derramou uma lágrima.

É impressionante como as pessoas podem chorar por ficções e não chorar pela realidade. Já perceberam isso? É impressionante como as pessoas podem assistir a um filme ou até ouvir uma música e chorarem, mas verem uma pessoa necessitada e permanecer absolutamente indiferente.

Às vezes penso no nosso mundo, onde temos tanta fantasia. Literalmente gastamos todas as nossas emoções em fantasias e não resta mais nada para a realidade. Todos nós já vimos tantos desastres representados na televisão e praticamente esvaziamos nossas emoções sobre eles que a vida real nem parece tão ruim, não é mesmo? A não se quer o drama seja encenado com excelência, não suscitará lágrimas em nós, pois nenhuma tragédia na vida real consegue ser supostamente tão dramática quanto uma fantasia.

Então, Tiago diz: “Se você tem esse tipo de compaixão falsa, o máximo que conseguirá dizer é: ‘espero que encontre alguma comida e alguma roupa, meu amigo; vá em paz, tudo de bom pra você’, mas você não dá o que essa pessoa necessita, que proveito tem essa fé? Essa fé que não tem obras está só e portanto, prova ser morta.

Para vermos novamente as palavras de Jesus, como ele fala sobre o assunto, precisamos apenas ir para Mateus 25. Aqui o Senhor nos fala tão claramente que até um tolo entende.

Verso 31 diz: “E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante dele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas.” Claro, isso significa a divisão dos homens que entrarão no reino e os que serão excluídos do reino. “E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda”.

“Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.” Por quê? Porque creram? Não é dito isso. Eis o motivo pelo qual entrarão no reino: “Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.

Esse é o ponto: não é dito que os que entram no reino são simplesmente aqueles que dizem crer, mas são aqueles cuja fé se manifesta em verdadeira compaixão.

Por outro lado, aqueles do verso 41, para os quais é dito: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” são os que falharam em demonstrar compaixão. Esses irão para punição eterna enquanto os justos irão para vida eterna. Novamente, o ponto do julgamento é baseado em obras. Não que pelas nossas obras ganhamos salvação, mas nossas obras manifestam se a nossa fé é verdadeiramente a fé salvadora.

Assim, Tiago diz que a fé morta é marcada pela confissão vazia e falsa compaixão. Suponho que podemos dizer que é também marcada por uma convicção superficial. Veja o verso 18. Esse é um verso difícil de resolver na língua original, se Tiago está argumentando com um antagonista, ou está se referindo a ele mesmo, se o antagonista está dizendo tudo isso ou até mais, é difícil de interpretar. Os gregos não usavam nenhuma pontuação, então às vezes é muito difícil reconstruir todas as nuances de uma frase. Temos que fazer o melhor possível. Mas o tema é claro, o propósito é claro.

Isso me lembra uma história que meu pai gostava de contar sobre um velho pregador nazareno que se chamava Tio Bud Robinson. Tio Bud Robinson era uma figura. Foi ele quem disse que ia morder o diabo enquanto estivesse vivo e quando não tivesse mais nenhum dente, ele morderia com as gengivas até morrer. Ele tinha outras expressões estranhas. Mas Tio Bud Robinson não sabia escrever direito e nem construir frases, pois não entendia pontuação. Diziam que sempre quando ele escrevia uma carta, ele escrevia a carta inteira sem pontuação e no final, ele colocava um monte de pontos finais, vírgulas, pontos de exclamação e todo resto e dizia: “Não sei onde colocar isso, então você, coloque onde quiser.” Bem, de muitas maneiras, o novo testamento foi escrito exatamente dessa forma, com tudo disponível no final, você poderia encaixar onde quisesse. Às vezes é difícil reconstruir.

Deixe-me falar o que é certamente uma alternativa viável olhando para essa passagem em particular. Lendo na versão Autorizada (Authorized Version): “Sim, um homem pode dizer: ‘Tu tens fé e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras e eu mostrarei minha fé pelas minhas obras.’” Pelo que me parece, Tiago provavelmente está se referindo a ele mesmo. Tiago é esse homem. Ele é humilde, então fala na terceira pessoa. Certamente ele não quer se exaltar. Vemos isso no capítulo 4, versos 6 a 10, onde ele exalta a humildade. O verso 10 diz: “Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará.”

Creio que o homem aqui provavelmente é Tiago. Ele possui a fé verdadeira e então ele diz a outro homem que alega ter fé sem obras: “Tu tens fé e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem as obras e eu mostrarei minha fé pelas minhas obras”.

O homem que possui a fé verdadeira – muito provavelmente Tiago se colocando nessa posição, diz: “Então tá, você é o antagonista, você quer argumentar o caso. Certo, você tem fé, vamos assumir isso hipoteticamente. Tudo bem, digamos que você tem fé. Digamos que eu tenha obras. Aqui está o teste: mostre-me sua fé sem obras. Vá em frente.” É impossível. A palavra “mostrar” significa exibir, demonstrar, colocar à vista. Ele diz: “Vá em frente, mostre-me sua fé.” Como você pode mostrar sua fé sem obras?

Você pode dizer: “Bem, eu creio.” Então me mostre. Você não consegue. É absolutamente impossível demonstrar fé salvadora sem um produto. Como alguém poderia dizer que uma fé é verdadeira quando ela não possui fruto? É ridículo, como pode-se saber? Tiago diz: “Mostre-me. Se não tem atos de justiça, se não possui frutos de justiça, não há como demonstrar a validade da fé.” Esse é um desafio e ninguém consegue respondê-lo. Ninguém pode mostrar sua fé sem nenhuma obra.

Tiago diz: “Por outro lado, eu vou mostrar a realidade da minha fé viva – pelas obras.” Isso é óbvio, não há outra maneira. Isso expõe o hipócrita. Quando alguém diz: “Eu sou cristão.” Você não deve dizer: “Quando isso aconteceu?” para que ele diga “Bem, há 24 anos atrás…” Quando alguém diz: “Eu sou cristão.” Você diz: “Ah, mostre-me sua salvação. Conte-me sobre sua vida, seu padrão de comportamento”.

Veja 2 Pedro, capítulo 1: “Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude.” Você percebeu? Ele não nos chamou apenas para a glória, mas também para a virtude. “Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo”.

Em certa medida, já recebemos a natureza divina na nova criação, a vida de Deus dentro de nós, a habitação do Espírito Santo. Em certo grau, já escapamos da corrupção que há no mundo através da concupiscência. João diz que já fomos libertos do mundo. Ele também diz, em 1 João 2, que já vencemos o maligno.

Então, temos uma nova natureza. Em certa medida já escapamos da corrupção da nossa queda pela nova natureza que está em nós. Fomos libertos do mundo e de sua ameaça de nos destruir. Em 2 Pedro lemos: “vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio”. Aqui ele discorre sobre perseverança, piedade, amor e cuidado fraternal. Então ele diz: “Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.” Se todas essas coisas fazem parte da sua vida, você frutificará. Mas se você carece dessas coisas, estará cego, não conseguirá ver muito longe, jamais terá certeza se seus pecados passados foram eliminados. Não tem como saber a não ser vendo os frutos.

Pode acontecer de haver um período na vida do cristão quando não é gerado fruto, um período infrutífero, infértil. Durante esse período, você perde a convicção da sua salvação porque não consegue ver a realidade dela em um período de desobediência. Convicção é um dom de Deus. Segurança é um fato. Convicção é algo que desfrutamos pela obediência.

Pedro está dizendo: “Você foi salvo para produzir essas virtudes, que lhe garante a realidade da sua fé. Se essas virtudes não existem, você não sabe se foi salvo. Você pode ser um cristão em um período infrutífero, mas se esse é um padrão constante da sua vida, você nem é um cristão”.

Tiago diz: “Um homem pode dizer: ‘eu tenho fé, eu creio’, mas se não existem obras, jamais conseguirá demonstrar o que diz.” Alguém pode dizer: “Mas eu creio em Deus, creio no Deus único.” Tiago diz: “Você crê que só existe um Deus? Crê que Deus é um?” Deuteronômio 6:4: “Nosso Deus, é o único Senhor.” “Você crê na doutrina teológica básica das escrituras? Crê na unidade de Deus?” Os judeus sempre tiveram orgulho de sua ortodoxia, particularmente em sua crença no único Deus verdadeiro. “Você crê nisso? Intelectualmente você crê nisso? Eu te digo: muito bem, você se acha muito especial em crer nisso? Deixe-me dizer algo: os demônios também creem e tremem”.

O que ele está dizendo é: “Você crê nisso? Que maravilha! Você nem alcançou a categoria dos demônios. Eles também creem nisso, mas, pelo menos eles têm a percepção de tremerem”.

Existem muitas pessoas que dão um parecer favorável à realidade de Deus, um parecer mental favorável à realidade de Cristo, aos fatos do evangelho. Admito que teologia ortodoxa é melhor que heresia, mas teologia ortodoxa pode não ser o suficiente. Sabe de uma coisa? Não existe demônio liberal. Nem creio que exista um demônio amilenial. Eu creio que todos os demônios são pré-milenares, pré-tribulacionistas, dispensacionalistas e que todos creem no reino de Israel literal.

Tenho certeza de que todos os demônios creem na deidade de Deus. Eles creem na Trindade, na deidade de Cristo, na morte de Cristo na cruz pelos pecados do mundo. Todos os demônios creem na criação de Deus em seis dias. Todos eles podem recitar a declaração da doutrina da Igreja Comunidade da Graça. Não existe demônio herege. Eles creem em toda ortodoxia. E eles se estremecem. E a palavra remete a arrepio, ter o pelo levantado. Eles estão em um alto grau de terror. Os homens possuem fé intelectual, os demônios possuem fé emocional. Os homens dizem: “Eu creio nisso”, e para por aí. Os demônios dizem: “Eu creio nisso” e seus pelos se arrepiam, pois eles entendem as implicações. Essa é uma metáfora, eles não possuem pelos. Os demônios estão a um passo além do homem, do falso religioso. Eles tremem, estão em grande temor. Enquanto isso, nos é dito sobre os homens em Romanos 3:18: “Não há temor de Deus diante de seus olhos.” Os homens não temem. Os demônios temem.

Ele diz: “Vocês creem em Deus, certo?” Ele poderia ter acrescentado: “Então vocês acreditam na verdade ortodoxa, certo?” Muito bem, os demônios estão um passo à frente, eles creem e tremem, eles têm medo. A fé deles produz falta de paz, estão em estado de pânico pois sabem da inevitabilidade que a doutrina ortodoxa revela.

Em Mateus 8:29, um demônio diz a Jesus: “Que temos nós contigo, ó Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?” Isso quer dizer que todos eles sabem que estão destinados ao tormento eterno e aqui estão dizendo: “Espere um minuto, ainda não é a hora.” Eles sabem para onde vão. A fé intelectual é morta. Os demônios têm mais fé que essa, eles têm uma fé emocional. Isso quer dizer que fé morta é inferior até mesmo a fé dos demônios.

Tenho 27 volumes dos escritos de Thomas Manton e os leio frequentemente. Ele descreve uma fé não salvadora de uma forma muito ilustrativa: “… um assentimento simples e puro a essas coisas assim como propostas na palavra de Deus, produz conhecimento aos homens mas não os torna melhores, nem mais santos ou celestiais. Os que isso possuem, podem crer nas promessas, nas doutrinas, nos preceitos, assim como nas histórias… entretanto, não é fé viva, pois aquele que a encontrou, tem seu coração comprometido com Cristo e crê nas promessas do evangelho concernentes ao perdão de pecados e vida eternal e isso busca como sua felicidade e crê nos mistérios da nossa redenção por Cristo de tal forma que toda sua esperança e paz e confiança é extraída disso e por isso crê que as ameaças, quer sejam pragas temporais ou de eterna condenação, comparada com tudo de mais terrível no mundo, são como nada”.

Manton prossegue falando sobre esse tipo de convicção rasa que nada mais é do que fé humana ou fé de demônios. Ele escreve: “Deve ser distinguida da fé temporária, a qual é um consentimento à verdade do evangelho ou das escrituras, acompanhado por um pequeno e insuficiente toque ao coração, chamado de ‘um gostinho do dom celestial e da boa palavra de Deus, e os poderes do mundo que há de vir.’ Por esse tipo de fé, a mente não apenas é iluminada, mas o coração é afetado por certo regozijo e a vida é, até certo ponto, reformada, pelo menos dos pecados grosseiros, o que se chama ‘escapar das contaminações do mundo.’ (2 Pedro 2:20); mas a impressão não é suficientemente profunda, nem é o regozijo e deleite suficientemente enraizados para enfrentar todas as tentações. Assim sendo, esse tipo de religião pode ser sufocada, ou desgastada, quer seja pelas preocupações deste mundo ou pelo viver voluptuoso, ou grandes e amargas perseguições e dificuldades pela questão da justiça. É um engano comum, muitos são persuadidos de que Jesus é o Cristo, o único Filho de Deus e por isso são movidas a aceitar Sua pessoa e em certa medida obedecer seus preceitos, depender das Suas promessas, temer Suas ameaças e em consequência, terem em parte suas mãos desapegadas do mundo. Elas parecem preferir Cristo e seus deveres a Ele acima das coisas mundanas, desde que nenhuma tentação assalte suas resoluções ou nenhum objeto sensual se posicione com qualquer força considerável a seduzi-las. Mas com o tempo, quando percebem que Suas leis são tão rígidas e espirituais e contrárias às tendências das suas afeições ou interesses mundanos, elas caem, e perdem todo paladar e sabor das esperanças do evangelho e por fim manifestam claramente que não estavam enraizadas ou firmadas na fé e sua esperança.”

Ele está certo. Ele une o ensinamento de Hebreus e o ensinamento de 2 Pedro ao afirmar isso. O verso 20 conclui nossa análise da passagem. Tiago diz: “Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato” – significa homem de cabeça vazia – “de que a fé sem as obras é inoperante?” A palavra usada aqui para inoperante é “infrutífera”, uma árvore que não dá fruto. Você está tão destituído quanto uma árvore morta, um corpo morto. Você não é melhor do que uma semente morta, uma raiz morta. Tiago está dizendo: “Você tem uma fé morta, que não tem absolutamente nenhum proveito.” É uma convicção superficial, com falsa compaixão e confissão vazia.

Para concluir nosso estudo, veja em Atos 8 uma ilustração de fé morta. Em Atos 8 Filipe está pregando. As pessoas estão ouvindo enquanto ele prega em Samaria com o coração em chamas, um homem de Deus, um homem santo, cheio de fé. Nos é dito sobre sua virtude no capítulo 6. No verso 9 do capítulo 8 diz: “E estava ali um certo homem, chamado Simão, que anteriormente exercera naquela cidade a arte mágica, e tinha iludido o povo de Samaria, dizendo que era uma grande personagem; ao qual todos atendiam, desde o menor até ao maior, dizendo: Este é a grande virtude de Deus. E atendiam-no, porque já desde muito tempo os havia iludido com artes mágicas. Mas, como cressem em Filipe, que lhes pregava acerca do reino de Deus, e do nome de Jesus Cristo, se batizavam, tanto homens como mulheres”.

Filipe testemunha em primeira pessoa um reavivamento em Samaria. As pessoas verdadeiramente estão se achegando a Cristo. Verso 13, prestem atenção: “O próprio Simão abraçou a fé”. Ele creu. “E, tendo sido batizado, acompanhava a Filipe de perto.” Parece muito bom. Ele creu, foi batizado, acompanhou de perto, são três coisas boas. “Acompanhava a Filipe de perto, observando extasiado os sinais e grandes milagres praticados”.

Verso 15: “Os quais, descendo para lá, oraram por eles para que recebessem o Espírito Santo; porquanto não havia ainda descido sobre nenhum deles” – eles formavam um novo grupo no desenvolvimento da igreja. “Então, lhes impunham as mãos, e recebiam estes o Espírito Santo. Vendo, porém, Simão que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos, era concedido o Espírito [Santo]” – aliás, creio que isso era acompanhado por algum sinal milagroso, como falar em língua estrangeira pelo poder do Espírito de Deus. Deveria haver algum fenômeno sobrenatural para que houvesse o reconhecimento de que realmente o Espírito Santo tinha vindo.

“Vendo, porém, Simão que, pelo fato de imporem os apóstolos as mãos, era concedido o Espírito [Santo], ofereceu-lhes dinheiro, propondo: Concedei-me também a mim este poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Espírito Santo. Pedro, porém, lhe respondeu: O teu dinheiro seja contigo para perdição” – Pedro quis dizer: você perecerá – “pois julgaste adquirir, por meio dele, o dom de Deus. Não tens parte nem sorte neste ministério, porque o teu coração não é reto diante de Deus.” Ele foi batizado, ele permaneceu, ele ficou maravilhado – e ele foi condenado. Estão vendo? “Você não tem parte nesse ministério, seu dinheiro pereça contigo!”

Depois, no verso 22, ele chama para uma atitude da fé verdadeira. “Arrepende-te, pois, da tua maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração; pois vejo que estás em fel de amargura e laço de iniquidade.” Ou seja, “você está preso pelo pecado”.

É possível crer, ser batizado, continuar ouvindo, ficar maravilhado por tudo o que acontece no cristianismo e então ser condenado. Essa é uma fé morta. O que se revelou na vida de Simão foi uma evidência de um coração não regenerado.

Um nativo foi até a tribo onde um missionário estava trabalhando. Ele disse ao missionário: “Quero saber o que você ensina.” O missionário perguntou: “Você ouviu o evangelho”? Ele respondeu: “Não, eu apenas vi o evangelho.” Então ele começou a descrever um cristão que havia conhecido.

Você pode ouvir sobre a fé, mas a realidade disso deve ser vista. Tiago diz: “Olhe para as suas obras. O que elas dizem sobre a sua fé?” Oremos.

Pai, obrigado pelo nosso tempo esta noite. É tão importante, tão vital. Conduza essas coisas no fundo dos nossos corações. Não desejamos acrescentar nada à Sua palavra, nem dela remover nada. Nos ajude a perceber que não estamos falando de algum tipo de obra pré-salvadora. O que estamos dizendo é que onde a verdadeira salvação ocorre na inexpressível miséria de soberania e vontade humana, há uma mudança de vida que produz arrependimento, confissão de pecado e um coração de obediência e amor a Ti. Ajude-nos a examinar nossos próprios corações para saber se nossa fé é morta, se não produz nada ou se é viva. Amém.